
Este homem, sabe e toca-me a vida, a alma, a dor e o sorriso!vejo-me e revejo-me aqui e em cada escrita deste senhor.
Se conseguisse articular
– Amo-te
ou
– Preciso de ti
Ou
– Fazes-me falta
e não consigo. Tusso. Assoo-me. Suspiro como tu embora não folheie revistas. Permaneço a alisar o bigode diante do futebol, do noticiário, de uma senhora que dá explicações sobre sexo com um casal ao lado a exemplificar, na mesma falta de entusiasmo que nós na época em que vivíamos juntos. E no entanto
(quem me ajuda a entender isto?)
as manobras do casal exaltam uma parte minha, lá em baixo, a que tento não dar importância. Se aqui estivesses tornava a tentar o teu pescoço, a medo. A senhora do sexo garante que o pescoço sabiamente agarrado agrada às mulheres. O problema consiste em agarrar sabiamente. Exercito-me com os dedos no vazio, aperto, alargo, aperto. Cochicho
– Dulcinha
e os ponteiros do relógio, nas cinco para a uma, parecem pedir socorro. Enfio os dedos no bolso, arrependido. No andar de cima os sapatos de uma criança que não pára de trotar desesperam-me. Nunca dormem, senhores, trotam a vida inteira. Que energia.
Voltando ao princípio o que eu gostava que estivesses aqui, mesmo com o medo dos ladrões e as duas voltas de chave. Qualquer dia o meu bigode branco, qualquer dia poucos cabelos no cocuruto. O meu pai penteava-os um a um, em minúcias de ourives, numa arquitectura complicada, segurava aquilo tudo com o cimento da laca. Sem vento aguentava-se. Com vento tombava-lhe sobre o ombro. Paizinho. Usava um chapelito com uma pena, assemelhava-se a um estrangeiro, um inglês, um sueco. Agora assemelha-se a um montinho de ossos, penso eu. Tu não, Dulcinha. Tu continuas viva, e a prova que continuas viva está em que daqui a nada oiço o elevador a chegar e vejo a ponta dos dentes no lado esquerdo da boca. A senhora do sexo, bem vestida, séria, disserta acerca de um truque que não conheço. Hei-de praticá-lo contigo apesar do caldo verde do bigode. Oxalá a hérnia das minhas costas aguente. Oxalá que eu consiga
– Amo-te
sem te fazer cócegas nenhumas. No fim de contas, pensando bem, não éramos infelizes, pois não?
1 comentário:
Este senhor sabe tanto! Amo.
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